sábado, 16 de março de 2013

Metade Bogotá, metade Los Angeles



Los Angeles, mais vias, mais viadutos: mais engarrafamento


Que Recife chegou ao caos no trânsito não é novidade. Na verdade esse caos é uma realidade antiga, porém notícia nova. Para usuários do transporte público, um caos de ineficiência. Para ciclistas e pedestres, um caos de insegurança. Agora os jornais noticiam o caos para os usuários do carro. E então a pauta das discussões sobre os problemas da cidade se polariza em mobilidade. E com grande prejuízo para as outras pautas necessárias.

Vi certa vez no Blog Acerto de Contas apelidarem Recife de Bagdami: Miami na frente, Bagdá nos fundos. No trânsito de pessoas, estamos entrando na era Bogotangeles: soluções Bogotá com mentalidade Los Angeles, a meca dos carros. Se você é viciado em carros, depende deles, vá conhecer Los Angeles, não vai querer sair de lá! Pensando em mobilidade, buscando soluções para o engarrafamento - sim, pois sem engarrafamento, ninguém pensava em mobilidade - comitivas de políticos e gestores têm ido a Bogotá tentar aprender com os colombianos as soluções para o trânsito das cidades. Mas tenho certeza de que fizeram escala em Los Angeles também. Em TODAS as medidas voltadas para a mobilidade anunciadas pelos gestores municipais, seja na gestão passada, seja na atual, há um bate e assopra na classe média motorizada. A cada pronunciamento dos secretários e outros gestores da Prefeitura e do Governo do Estado, podemos perceber um medo da classe média, receio de que esta apareça na frente da prefeitura com espetos e foices pedindo a cabeça do prefeito. Como se houvesse força de mobilização nesta parte da classe média. Vide MMH, Movimento da Mobilidade das Hilux. Fracasso anunciado.

O que tivemos em Bogotá foi justamente uma inversão de prioridades. A solução da capital colombiana não foi BRT, foi tirar espaço dos carros para BRT. Não foi ciclovias mais calçadas, foi priorizar o dinheiro público para elas em detrimento das vias para automóveis. Veja o ex-prefeito de paletó e bicicleta, comentando sobre isso aos 4min50seg no video Urbanized. 

Já Los Angeles, estive em 2011 nesta cidade para carros e pretendo não mais voltar. Cidade abarrotada de viadutos e vias de seis, oito faixas para carros. Ruas sem ninguém, pelo que pude ver da janela do ônibus entre a ferroviária e o aeroporto. Quis ir do aeroporto para conhecer Hollywood e a única opção viável era alugando um carro. Passei seis horas no aeroporto fazendo nada.

Para reforçar esse meu ponto de vista, resolvi enumerar as principais soluções Bogotá style aplicadas e propostas para Recife, e as respectivas assopradas L.A. style. Há dois tipos de aliviada nas ações da política contra os carros: a pensada pelo governo, quando este deliberadamente toma uma medida pra aliviar a pressão nos motoristas; e a omissão, quando o governo deixa de tomar uma medida mais dura tendo esta oportunidade. Vejamos as medidas anunciadas:

- Corredor de ônibus ou faixa exclusiva na Domingos Ferreira > a prefeitura se diz preocupada com o transporte coletivo, mas já anunciou várias vezes que só coloca faixas exclusivas para ônibus na Av. Domingos Ferreira quando a Via Mangue estiver pronta. Só resolve o problema da população dependente do transporte público quando criar alternativa para os carros. Vejam que estamos falando de quatro novas faixas exclusiva para carros na Via Mangue - já foi anunciado que ônibus não passará por lá - em troca de uma ou duas faixas exclusivas de ônibus na Av. Domingos Ferreira.

- BRT na Agamenon > O BRT vem como a solução mágica para o transporte. Em nome dele, vale tudo. Na justificativa de tirar os sinais da Agamenon, para melhorar a circulação do BRT, vale colocar passarelas no meio da cidade para o pedestre e o ciclista perderem tempo, conforto e segurança no transitar. Seguindo o mesmo mantra BRT, coloca-se quatro viadutos cruzando a Av. Agamenon Magalhães para que os carros não parem. Mas tudo seria resolvido se os BRTs usassem alguma solução tecnológica de controle dos semáforos, por exemplo, fazendo o trânsito de carros pararem para a passagem dos BRTs e dos pedestres. Mais uma vez, temos de um lado os carros, e do outro o transporte público, e os pedestres.

- Retirada de carros estacionados das ruas > Os gestores foram a Bogotá, mas não devem ter falado com Peñalosa, ex-prefeito que disse “estacionamento não é um problema do governo. é um problema privado”. Em Recife, a retirada das vagas da rua virá acompanhada de 17 edifícios garagem, muitos deles localizados em áreas de destino dos carros já hoje. Construídos com dinheiro público. Os motoristas continuarão enchendo as ruas de carros até o trabalho, só terão um trabalho um pouco maior para ir do edifício garagem ao trabalho.

Times Square, NY: antes para os carros, depois para as pessoas.
- Rodízio de veículos > O secretário de mobilidade anunciou nesta quinta-feira (14/03/13) no Fórum sobre Mobilidade Urbana, realizado na Fafire, que a prefeitura estuda a implantação de rodízio de veículos em Recife. Ótima medida paliativa implantada em várias cidades. Mas em Bogotá, além de rodízio, temos no início de fevereiro, o Dia sem Carro. Neste dia, das 6h30 às 19h30, não podem circular veículos particulares, sujeitos à multa e apreensão da carteira de habilitação. Esta medida surgiu depois da reestruturação do transporte público e da construção de ciclovias. Aqui a prefeitura não sinaliza nenhuma medida nesse sentido, e pela atual pisada, não me parece algo planejado para o nosso futuro. Lembrando que o rodízio, aplicado isoladamente, é uma medida que favorece bastante o trânsito de carros, sem grande efeito nos usuários de ônibus, ciclistas e pedestres.

- Bicicletas de aluguel > O sistema tem funcionado no mundo inteiro, mas em cidades como Bruxelas, onde não vieram acompanhadas de medidas restritivas ao uso dos carros, e de estrutura cicloviária, têm se mostrado uma opção ao pedestre, não tem servido de substituição ao carro. Em Bogotá, se priorizou o investimento em calçadas e ciclovias. Há ruas esburacadas para os carros, e ao lado temos calçamento e ciclovias em ótimo estado. Peñalosa afirma que “quando tivermos dinheiro para melhorar a rua para os carros, nós faremos. Mas a prioridade é o pedestre e o ciclista.”

Como podemos ver, a ida dos gestores à capital colombiana os fez aprender soluções de melhoria da cidade para as pessoas, mas todas estão sendo aplicadas, sempre no limite de não forçar ninguém a sair do carro.
A ideia de que tem que melhorar todos os outros modais, sem piorar nada para o carro só funcionaria se os modais não interagissem no trânsito. Ônibus presos no engarrafamento, pedestres esperando 10 minutos o semáforo de uma faixa de pedestres abrir, ciclistas sem estrutura adequada, não são problemas em tubos de ensaio separados, são apenas alguns dos muitos custos sociais impostos pela carrocracia. Há que se resgatar o equilíbrio perdido no uso do espaço público.

As ideias utilizadas em Bogotá combinadas a uma mentalidade Los Angeles style geram soluções meia boca para a mobilidade no Recife, pois não contemplam a realidade de que é necessário tirar espaço e privilégio para os carros, não por uma perversidade, mas para correção da perversidade que foi feita ano a ano na cidade com todos os outros que não utilizam o carro. Estamos todos no mesmo tabuleiro e a melhoria pra valer de todos esses outros modais passa necessariamente pela piora da situação de quem usa carro. Vai doer.

Cezar Martins

13 comentários:

  1. Qual o custo das obras viárias para os carros... Não vejo estudos quantificando o valor a ser pago pelo contribuinte. As obras de infraestrutura fiam sempre para um segundo momento. Como os metros os mesmo os bondes elétricos, ônibus-elétricos, metrô , ou mesmo trens etc. As discussões são sempre superficiais e não atingem a raiz do problema. Se hoje estamos falando em mobilidade. Ela não é para a classe assalariada e sim para classe média motorizada. Nestas discussão fica de forra o transporte público de qualidade.Infelizmente.

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  2. Ótima reflexão, Cézar. LA tinha o melhor sistema de transporte público nos anos trinta antes de ser desmontado para o automóvel e o subúrbio.

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  3. Cara, de uns meses para cá, vi crescer em Recife uma cultura anti-carros. A forma como esta idéia é apresentada e tão radicalmente defendida me provoca resistência. Trazer as pessoas para o transporte público ou para as ciclovias porque é insuportável e/ou caríssimo sair de carro é perfeitamente possível, mas vai completamente contra à noção de bem estar e desenvolvimento da qualidade de vida da cidade. A mudança de opção deve ser feita porque o outro caminho é mais agradável e mais proveitoso e não pelo fato de ser menos ruim.

    Recife tem alguns pontos que vejo desfavoráveis para a adoção em massa das bicicletas: clima (temperaturas altas e sensação térmica mais ainda), a grande extensão da região metropolitana e segurança são bons exemplos. Eu não tenho como pedalar 25km para chegar ao meu trabalho nesse sol de rachar e chegar ao meu destino parecendo que acabei de sair de uma piscina, muito menos coragem para pedalar os mesmos 25km de volta e passar por trechos muito perigosos, esburacados e sem iluminação alguma.

    Sou usuário do transporte público, mas evito utilizá-lo várias vezes por conta do tempo de espera, tempo de viagem (no bom, com média de 20km/h), superlotação e calor.

    Ser a favor de bicicletas e do transporte público é totalmente diferente de ser anti-carros. Inclusive, o termo "carrocracia" me soa bem preconceituoso. Apoio totalmente o desenvolvimento de novos meios de locomoção na cidade e não concordo com simples fato de negar cegamente um meio de transporte essencial para o cotidiano de muita gente.

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    1. Pedro, ninguém disse que a bicicleta tem que ser a solução pra todos. Mas para ela ser solução pra alguns, precisa ser respeitada como modal, por motoristas que deixem de ameaçar ciclistas no trânsito, e precisa de infraestrutura. Você disse que trabalha a 25km, e justifica isso como essencial para andar de carro, mas a maioria das pessoas usa o carro pra se locomover a bem menos de 8km de casa. Domingo os ônibus, em sua grande maioria, estão vazios, e as ruas cheias de carros.
      E o termo carrocracia não é direcionado ao motorista, mas ao poder público principalmente! Ou alguém ousaria dizer que o carro não é o modal mais valorizado e priorizado dessa cidade? Os ônibus passam por 1600km de ruas em Recife. Sabe quantas dessas ruas têm faixa exclusiva? 36km.
      Só completando, pois a discussão é interminável. Você diz "A mudança de opção deve ser feita porque o outro caminho é mais agradável e mais proveitoso e não pelo fato de ser menos ruim." O problema é justamente esse. O ônibus nunca terá para todos uma parada na saída da garagem e outra na porta do trabalho. Nunca dará a mesma individualidade que o carro fornece. E o espaço da cidade é limitado. Que venham as faixas exclusivas de ônibus, e assim você tenha um motivo a menos de reclamar do ônibus, a velocidade média, e consequentemente o tempo de viagem e de espera.

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  4. Ao contrario de Pedro, eu vejo que Recife tem uma das melhores possibilidades de aderir à bicicleta como meio de transporte, é a menor grande capital do país e é completamente plana. O problema também é que as pessoas compreendem que a adesão à bicicleta é uma substituição completa do sistema de transporte. Não é, é uma possibilidade segura e uma procura de mudar essa ideia de que vai contra o bem estar.
    Primeiro é: O que seria esse bem estar? porque é mais saudável. Além de ser mais baratotanto para o cidadão como para o estado, além de ser melhor para o meio ambiente. Acredito que mais dinheiro e mais saúde proporciona um bem estar maior que andar de carro para ir para academia andar de bicicleta...
    Outra coisa defendida nessa adesão de uma outra possibilidade é a questão da melhora do transporte público. Não é uma troca desarticulada, e sim em conexão com outras formas.
    eu gostaria muito de andar de bicicleta para o meu trabalho, tanto porque a pé é uma reta e a carro eu tenho que passar por 3 bairros a mais pelo caminho das ruas. Não o faço por achar perigoso concorrer com carros.
    além de que, o espaço urbano utilizado por pessoas se torna muito menos perigoso.
    Vamos utilizar nossa cidade para poder ser nossa, e não somente a vê-la por vidros de fumê.

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  5. Recife é bastante plana, mas não completamente, longe disso. Pedro se refere ao clima, ser ruim, concordo, mas se a mentalidade dos empregadores mudasse poderiamos ter como corrigir isso ao chegar no trabalho tomando banho,mesmo quando chove muito. mas o problema da violência, este não vai acabar tão cedo. eu desconheço uma pessoa que ande de magrela (das boas) sozinho pela cidade e que não morra de medo de ser assaltado OUTRA VEZ. Por que Recife tem esta peculiaridade também, todo bairro, tem uma zona violenta, e é DIFICILIMO fazer uma rota pra qualquer mudança de bairros que não passe por uma dessas zonas. Mesmo com instalação de ciclovias, tem que se mudar a segurança social. Limite de altura dos prédios também me parece uma coisa a se pensar, por que os bairros mais adensados são aqueles que mais dão trabalho ao motorista de ir e vir. o Texto está muito bom, eu gostaria muito de poder por minha magrela pra funcionar, mas não tenho fé nenhuma que consiga fazer isso com segurança em Recife nas proximas décadas.

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    1. A segurança traz pessoas pra rua, mas tem o caminho invertido também. Pessoas na rua trazem mais segurança. Ciclofaixas encherão as ruas de pessoas, deixando-as mais seguras aos pedestres também. Foi a segurança que senti neste domingo nas ciclofaixas móveis.
      Acho também que a sensação de insegurança é maior que a própria insegurança. Desde outubro de 2011 vou ao trabalho todo dia de bicicleta - Parnamirim/Recife Antigo -, e nunca fui nem ameaçado. Uma dica é não se vestir como ciclista. Vista-se como pedestre, com as devidas alterações necessárias - tênis, bermuda se for o caso - e verá que você se perde na multidão.

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  6. Cezar, é preciso antes de mais nada questionar o modelo econômico adotado pelo Governo Federal. Lula , em sua eterna falácia, privilegiou a indústria de carros, com juros altíssimos conseguiu financiamentos para automóveis em até 8 anos, não privilegiou combustíveis alternativos,e pra completar por mais de uma vez relaxou a carga tributária dos fabricantes de automóveis.Como em várias outras áreas, muita propaganda e pouca eficiência nas reais questões de sustentabilidade.

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    1. Os governos são independentes. Se o Governo Federal está errando focando numa economia que não se sustenta, jogando milhares de carros nas ruas, que o município e o Estado façam suas políticas para priorizar o transporte público e o não motorizado. Não há essa obrigação de se seguir esse modelo.

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  8. É fácil falar pra quem acorda e tem que apenas ir pro trabalho, sozinho, e muitas vezes trabalha a pouco menos de 8km de casa. Mas e pra quem, como o Pedro lá em cima, trabalha a 25 km de casa, pega no serviço às 7h da manhã e, antes disso, ainda tem que deixar duas crianças pequenas na escola, cada uma com uma mochila enorme e pesada, cheias de livros, e vc com sua bolsa e seu laptop... faz como? Coloca uma criança no quadro da bicicleta, a outra no bagageiro, e as mochilas, bolsa e laptop na cabeça? Ou sai umas 2hs antes de casa pra poder pegar um ônibus carregando tudo isso (sim, porque as duas crianças não vão conseguir carregar as bolsas dentro do ônibus; VOCÊ terá que fazer isso...), então desce do ônibus pra deixar as crianças, depois pega mais, pelo menos, 2 ônibus pra ir pro trabalho (sim, pq pra chegar onde EU trabalho tenho que pegar ao menos 2 ônibus, se quiser vir com esse tipo de transporte. Só pra exemplificar como o transporte público aqui em Recife é bom e eficiente para todas as pessoas...) e ainda rezar pra não ser assaltada e perder o laptop no trajeto. E essa jornada se repete toda ao final do expediente.
    Eu, como o Pedro lá em cima, infelizmente, necessito MUITO do meu carro. Porque tenho filhos, porque trabalho muito longe de casa, porque saio todos os dias carregada de coisas, enfim, por inúmeras outras razões. Preferia, de verdade, que fosse diferente. Mas não é. Realmente acho que muitas pessoas poderiam deixar o carro em casa e utilizar bicicleta, ônibus, caminhar... pois têm estilos de vida que permite que elas façam isso. Mas isso não se aplica a todo mundo. Concordo quando o mesmo Pedro diz que o termo "carrocracia" é preconceituoso, porque dá a impressão de que quem usa carro é egoísta, não presta, não se preocupa com o bem-estar coletivo. É uma generalização burra, pois se esquece que existem inúmeras pessoas como eu, nessa cidade, que depende muito de um carro. Dá a impressão que daqui a pouco a gente vai começar a ter os carros apedrejados no meio das ruas, quando passar. Pelo amor de Deus!

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  9. Concordo com o Cezar, quanto mais pessoas na rua, mais segurança teremos, tanto contra assaltos como contra motoristas que não respeitam os ciclistas.
    Sou morador do bairro dos Aflitos e não concordo com o movimento MMH, tenho uma pickup também e vou trabalhar de bicicleta a 5 km de casa...
    Sou de acordo que as pessoas possam usar seus carros sim, isso se torna um problema pessoal, porém temos o direito de ser respeitados e a prioridade deve ser sim da coletividade. O problema do Brasileiro é que alguns se acham superiores que outros. Enquanto as pessoas não acordarem para a realidade de que somos todos iguais, moradores dos Aflitos e do Vasco, da UR11 e de Boa Viagem, as coisas não irão melhorar na cidade. E alguns donos de Hilux continuarão se achando mais importante que qualquer cidadão que não transpareça ter uma hilux, mesmo ele tendo...

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