terça-feira, 7 de outubro de 2014

"Aqui só funciona domingo, amigo."

Quem nunca ouviu?

É só domingo, né?
"É só domingo essa ciclofaixa"
"Não vê que não tem cones"

Você já ouviu alguma dessas frases, seja numa ciclofaixa permanente, ou na ciclofaixa de lazer durante a semana.

Deveríamos fazer uma pesquisa pelas cidades do país sobre os motivos que fazem as pessoas invadirem com seus carros as ciclofaixas. Por que afirmam que a estrutura permanente só funciona no domingo? A princípio, podemos dizer se tratar simplesmente de falta de educação, mas não é tão simples assim. Em primeiro lugar, existe em muitas pessoas ainda a percepção da bicicleta como equipamento de lazer, destinando-se ao uso em passeios noturnos ou para as ciclofaixas de lazer de domingo. Já começa por aí uma área na qual a prefeitura poderia dar uma mãozinha, quebrando esse preconceito sobre a bicicleta. Qualquer ideia simples, como colocar dois agentes de trânsito rodando pelas ciclofaixas desconstruiría essa ideia de bicicleta somente no domingo e pra lazer. Recife tem, com a nova ciclofaixa PERMANENTE no bairro de Campo Grande, pouco mais de 27km de estrutura cicloviária protetiva para o ciclista - ciclofaixas e ciclovias -, o que é muito pouco não só para servir à população, como também para o reconhecimento das estruturas.

Para que os motoristas possam respeitar as ciclofaixas permanentes, eles precisam antes de mais nada saber que aquela estrutura se trata de uma ciclofaixa que funciona 24h todos os dias da semana. É notório que os motoristas não têm o costume de ler as placas, a sinalização vertical no perímetro urbano. Tem estudo sobre isso. Mas como fazê-lo reocenhecer uma estrutura se ele não lê se na placa está escrito "Ciclofaixa" ou "Ciclofaixa. Domingo, de 7h às 16h"? Na figura abaixo, podemos comparar três estruturas distintas: ciclofaixa permanente, ciclofaixa de lazer (domingo) e ciclofaixa de lazer em rua que tem ciclofaixa permanente (mista).


A Ciclofaixa Permanente apresentada na figura da esquerda é a nova, de Campo Grande. Já se estranha o fato de ela ser mais estreita que qualquer estrutura por onde passe a ciclofaixa de lazer, seja ciclofaixa de lazer somente ou local onde passem as duas estruturas, como se pode ver nas fotos do centro e da direita. A linha amarela central acontece nos três casos, apenas o exemplo de ciclofaixa de domingo não tem essa pintura, mas em outras ruas da cidade é assim. Podemos perceber nas fotos uma grande semelhança entre as ciclofaixas permanente, de domingo e mista. Se você acabou de pensar nos cones, lembre-se que em todos os outros dias de semana, não há cones, tornando as semelhanças maiores ainda. A única grande diferença entre as estruturas de lazer somente (domingo) e as permanentes é a existência dos tachões amarelos nas permanentes, o que é muito pouco para uma estrutura e cultura que precisam ser disseminadas.

Essa grande semelhança entre as ciclofaixas só confirma o descaso como as erstruturas são feitas na cidade. Isso permite não só o desconhecimento por parte dos motoristas do que é permanente e do que funciona dia de domingo, como também permite o uso desse argumento como desculpa para o motorista que sabe qual é permanente ou não, e finge que não sabe. Aliado à falta de fiscalização, temos como único respeitador da estrutura o motorista consciente e que reconhece as diferenças entre as estruturas. Só educado não serve se ele não souber as diferenças, e vice versa. Ainda sobre a fiscalização, lembramos que nenhuma das novas ciclofaixas inauguradas teve qualquer operação especial de orientação e fiscalização.

Agora veja a diferença em São Paulo.


A ciclofaixa permanente tem pintura diferenciada da ciclofaixa de domingo. Motorista que estaciona na ciclofaixa permanente só tem uma justificativa: safadeza, "é só dois minutinhos".
A ciclofaixa de domingo tem grande sinalização horizontal informando que funciona somente no domingo, bastante visível principalmente para o motorista, o que não encontramos no Recife. O funcionamento é semelhante: no domingo se enche de cones.
A ciclofaixa mista é igual à ciclofaixa permanente, pois afinal, ela também é permanente! Apenas no domingo ela se soma à estrutura de lazer, por uma coincidência de percurso. Pode-se perceber, sem recorrer à trena, que a largura das ciclofaixas permanentes em São Paulo é maior. No exemplo da mista, temos ciclofaixa mão única em cada lado da Rua Vergueiro. Além disso, a faixa de segurança da ciclofaixa permanente está pintada de amarelo, indicando que há trânsito de veículos motorizados no sentido inverso ao dos ciclistas.

Todas essas questões sobre a qualidade da estrutura - sinalização, largura, estrutura protetiva (tachões), pintura - são o basicão para se ter uma estrutura que passe segurança às pessoas, e assim elas possam finalmente se sentir confortáveis e seguras para usar a bicicleta no seu dia a dia. Vacilar no básico já dificulta todo o resto. Se faz uma boa estrutura para que a demanda por fiscalização seja menor. Uma cidade com 27km de ciclovias e ciclofaixas, com dezenas de milhares de km sem estrutura, torna impossível a tarefa de se fiscalizar o desrespeito ao ciclista, caso a CTTU demonstrasse interesse nisso. Por outro lado, ao se aumentar a estrutura, com qualidade, rotas interligadas, e com uma mínima porém constante fiscalização, o suficiente para que haja a dúvida sobre a impunidade, pode se proporcionar o suficiente para se atrair facilmente uma massa de novos ciclistas.

Cruzamentos em vermelho. Muito bem!
Como podemos ver nas fotos acima, falta cuidado com o cidadão que usa a bicicleta. Já tivemos alguns acertos nessa nova estrutura do Campo Grande, como os cruzamentos pintados em vermelho (não todos!), alertando os motoristas para o cruzamento de bicicletas, mas os erros ainda são muitos e o desconhecimento é grande. Desenhar uma estrutura que deve funcionar quase que 100% sozinha, com esse tal mínimo de fiscalizaçào que sugerimos, requer um cuidado que a prefeitura não está tendo, um cuidado que não foi necessário para a implantação da ciclofaixa de lazer, já que ela tem cones, não tem interrupções, tem dezenas (centenas?) de agentes da CTTU e orientadores, ou seja, tem mais recursos de proteção e humanos, demandando poucos cuidados com a construção da estrutura em si. O prefeito ou parte do corpo técnico da Secretaria de Mobilidade deveria testar as novas ciclofaixas permanentes, para evitar por exemplo, uma ciclofaixa que termina de frente para uma rua onde carros fazem a curva no sentido da ciclofaixa, sem nenhum redutor de velocidade e dão de cara com o ciclista (na ciclofaixa de Campo Grande). Tá na hora de sair da prancheta e ir pra bicicleta!



Um comentário: