quinta-feira, 28 de novembro de 2013

A prisão dos pedestres

Dilma vetou um projeto de lei que obrigava a colocação de faixas de pedestres próximo a escolas públicas e privadas. O PL colocava que deveria-se ter uma faixa de pedestres a pelo menos 1km das escolas. Independente das razões que levaram ao veto, defendi no momento que essas faixas não seriam bem vindas em qualquer localidade. Isso porque em ruas de pouco fluxo motorizado, as faixas podem servir de prisão para os pedestres que passam.


- Mas, a faixa é para a segurança do pedestre, e…


Calma, eu explico! Em pequenas cidades do interior ou em ruas de bairro com baixo fluxo e velocidade, os pedestres tomam a liberdade de atravessar em qualquer ponto. Cabe, como descreve o código, aos veículos tomarem conta da incolumidade peatonal. No momento da colocação da faixa, obriga-se - pelo menos legalmente - ao pedestre a atravessar naquele ponto - se estiver a até 50m dele (artigo 69 do CTB). Por isso, defendemos a transformação das ruas em espaços de convívio pacífico, que, a depender da localidade, não necessitarão de faixas para a travessia, gozando de ampla mobilidade e total preferência.


Pedestres são os mais frágeis das ruas e acabam perdendo sua preferência de travessia e uso total do espaço público em detrimento de veículos motorizados que passam a altas e mortíferas velocidades. No Rio de Janeiro, fecharam parte da orla para o uso apenas de não motorizados. Era um caos de pessoas nos mais diferentes modais, transitando de forma respeitosa. Não houve um choque sequer entre pedestres, ciclistas, skatistas, patinadores e outros com modais super-esquisitos. Não havia nenhuma preocupação de alinhamento das pessoas, sendo que elas pareciam partículas de gases andando e correndo nos mais diversos ritmos e nas mais diversas direções.



Então, ao pedestre e ao trânsito diário, regras e prisões são impostas para que outros modais possam conviver em mais alta velocidade. Isso parece ser a síntese da nossa forma de se deslocar: restringimos as pessoas para que outras passem com sua pressa com suas máquinas mortíferas. Até onde isso é aceitável é que devemos discutir, pois já passou do nível do aceitável há muito tempo!


No Recife, podemos dizer que não existem faixas de pedestres! Na verdade, só existe uma: a que fica entre o Shopping Plaza e o Hiperbompreço Casa Forte. As outras, quando estão pintadas, parecem ser mera obra de arte nas ruas, já que os motoristas passam por elas e não dão a devida preferência aos pedestres. Aproveitam do peso de seus veículos para impor a paralização e a submissão total dos pedestres. Então, antes de ser um refúgio de segurança e garantia de atravessar, as faixas passam a ser meras pinturas alegóricas e de humilhação a quem espera para chegar ao outro lado.


Como quem desejar melhorar essa situação, as autoridades colocam semáforos de pedestres. Entretanto, mais uma vez, a preferência é dada aos automotores. Os semáforos demoram 2, 5 ou 8 minutos para fechar, acumulando grandes quantidades de pessoas. É uma prisão de segurança máxima! Um teste de paciência. Um afronta a prioridade legalmente estabelecida. Um recado nos é dado: a rua é dos carros, saia daqui! Os sinais de pedestres deveriam demorar um tempo ínfimo (para não dizer: “tem que fechar exatamente após o pressionar do botão”). Isso! Tão pequeno que garantisse a travessia imediata do pedestre, e, portanto, sua preferência sobre todos os modais.


A lógica disso é tão clara que chega a ser irrefutável! Ora, se não há faixas o pedestre tem o direito e a preferência de atravessar a rua em qualquer local; se faixas são colocadas, os veículos devem parar assim que um pedestre se aproxima para atravessá-las, mas, por outro lado, o pedestre perde a preferência de atravessar em qualquer ponto; e, se um semáforo é colocado, o pedestre perde a preferência pela terceira vez por ser obrigado a esperá-lo. Então, dessa forma, o modal prioritário perde por consecutivas vezes a preferência.


Claro que todos esses elementos jogam o pedestre para um lado tão oprimido que eles tendem a cometer as mais diversas infrações, já que seguir o correto não é garantia de conforto ou mobilidade justa e sustentável. E então, vem a autoridade de trânsito local (sim, a CTTU) e escreve em seu Twitter que o pedestre deve dar preferência aos automotores.





A cidade está doente e o estado parece não dar um indicativo de que uma bonança vem por aí. Estamos caminhando para uma morte tão certa quanto a dos 250 mil pedestres que morreram atropelados no Brasil de 1996 a 2011.


É hora de mudar! Pedestres e ciclistas, convocamos vocês! Tomem esta cidade! A cidade é sua! A cidade é das pessoas! Libertem-se destes ternos de vidro costurados à parafuso e reclamem diariamente a SUA cidade!


BÔNUS: Na Alemanha, onde a indústria automobilística reina, mas ainda se consegue alguma mobilidade para as pessoas, colocou-se para os pedestres esperarem um joguinho de videogame (com a pessoa que está no outro lado). 

Tentam entreter o pedestre para que ele esqueça que, se estivesse em Copenhague, o semáforo abriria para ele na hora que se aproximassem. Divirta-se e aliene-se.


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